Revista Esquire (México): O ator nascido em Glasgow, Escócia, retorna as telas de cinema com um papel que nos deixará tensos. Ele no recebeu para fotografá-lo em Londres, onde usou relógios e jóias da Bvlgari.
De soldado de coração partido à mutante mais poderoso do Universo, McAvoy também é um homem que muda de personalidade com um piscar de olhos na frente da câmera. Sem perder a oportunidade, o entrevistamos para nos contar porque “Não Fale o Mal” é mais do que um filme de advertência.
A primeira vez que o vimos, representava um mundo de histórias. James McAvoy era um fauno em “As Crônicas de Nárnia” (2005), e não sabíamos se devíamos confiar ou duvidar de suas intenções. A partir daí, o ator soube, com seu sorriso único, nos colocar no jogo da interpretação. Nada é certo quando se olha para este escocês.
Mas, McAvoy também soube ser nosso aliado nas trevas da humanidade. Em “O Último Rei da Escócia” (2006), o ator representou os olhos da Europa culta que se deparam com a brutalidade sanguinária do ditador Idi Amin, personificado por Forest Whitaker, que ganhou o Oscar de Melhor Ator. A intensidade do personagem de James trouxe humanidade ao filme que o vilão estava sufocando.
“Desejo e Reparação (2007), foi o filme onde McAvoy forjou seu primeiro personagem trágico. Ao lado de Keira Knightley, James atuou como o filho da governanta, que se apaixona por ela e depois, devido a uma mentira sobre ele, acaba banido da casa e enviado para o fronte da Primeira Guerra Mundial. O Romance de Ian McEwan é comovente e a inocência demonstrada pelo ator, então com apenas 27 anos, deu um novo significado ao poder destrutivo de uma calúnia.
Hollywood voltou-se para ver a expressividade de McAvoy em 2011, o ator vestiu o uniforme dos X-Men, captando sua imagem de homem que está sempre focado e observando com atenção. Embora ele não seja um galã da tela, ele certamente é o mais inteligente da sala, com base no que nos leva a acreditar com sua presença e atuação.
McAvoy se vestiu do mutante dos quadrinhos, Charles Xavier e seus entes queridos como Raven (Jennifer Lawrence) que ele resgatou em sua rebeldia e não consegue domesticá-la.
O cineasta campeão por seus finais inesperados e personagens com motivações ocultas, Mr. Night Shyamalan usou a capacidade de James de mudar atitude e personalidade para criar seu protagonista que contem 8 personalidades dentro de is, para o filme “Fragmentado” (2016), trazendo-o novamente em “Vidro” (2019).
A psicologia faz parte das ferramentas de qualquer ator, mas, McAvoy a utiliza ao segurar cada personagem e traçar o que eles farão para nos afetar.

A estreia de “Não Fale o Mal” nos cinemas dá ao escocês a oportunidade de nos trancar numa sala, apagar a luz e contar-nos uma história perturbadora, porque o monstro não é fácil de definir.
Baseado no filme dinamarquês de mesmo nome (Speak no Evil), lançado em 2022 por Christian Tafdrup, o remake coloca um casal passeando pela Europa com sua filha e que se depara com o personagem de James McAvoy, Paddy e sua esposa conseguem estabelecer uma amizade instantânea que continuará semanas depois em uma fazenda isolada. Ali, isoladamente, as percepções mudam aos poucos, enquanto mais uma vez olhamos para James, sabendo que em breve lançará seu primeiro golpe.
Esquire: Em sua carreira de ator, você foi capaz de passar de personagens dramáticos, estilo Shakespeare para expoentes dos quadrinhos com poderes mutantes. Você se sente confortável trabalhando em ambos os mundos?
McAvoy: Tie muita sorte em minha carreira por não ser estereotipado ou enquadrado em um tipo de papel como o resultado do que eu fiz. Essa gratidão vem de ter sido convidado para interpretar diversos tipos de personagens, tanto na frente das câmeras quanto nos palcos do teatro. O engraçado é que mesmo quando me convidam para interpretar um personagem cômico, quando eu o interpreto eu sinto como se eu estivesse em um teatro, interpretando Shakespeare, porque tive a sorte desses filmes buscarem a complexidade e dimensão em seus personagens.
Um personagem como o Xavier, dos X-Men, passam por cenários que lembram os clássicos , quando faz perguntas como “Quem sou eu?” e “Por que eu sou assim?” e tratam da culpa e do medo, temas pelos quais Shakespeare era apaixonado e explorava em sus obras, o tempo todo. Então, ao filmar esses filmes de super-heróis, muitas vezes me sinto conectado a essa natureza, autêntica, em busca da verdade que é necessária para subir num palco de teatro.
Esquire: Quando um roteiro de um filme chega às suas mãos, como sua formação de ator clássico o ajuda nessa preparação dos personagens?
McAvoy: Estou sempre em busca de roteiros bem escritos. Já que você mencionou Shakespeare, gosto muito de interpretar personagens que tenham algo que esse escritor sempre persegue: o defeito da pessoa. Você se pergunta: “O que é uma grande falha de caráter?”, tenho explorado isso nos meus personagens, como é o caso do Charles Xavier, que depois, investigando-o, percebi que seu maior defeito era seu próprio ego, porque em algumas ocasiões ele teve Complexo de Messias. Outras vezes, também, fui pego por suas questões de abandono, como em “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” (2014). Gosto de procurar essa “falha” e a tensão que se cria na pessoa com perguntas como: “Será que ela vai superá-las?”, “Será que vai aprender com o passado ou vai cai novamente por causa desse grande defeito?”.

Esquire: Alguns atores preenchem seus roteiros de filmes ou TV com notas próprias, indicando as emoções e intenções que desejam alcançar diante das câmeras. No final parecem notas de uma partitura musical. Você realiza um processo semelhante para se preparar para filmar?
McAvoy: Sim, talvez eu comece a fazer anotações no roteiro sobre algumas coisas que quero sugerir por trás do diálogo, ou que sinto que o diálogo está tentando expressar, mas, acho que as intenções não são muito precisas na hora de ler, ou pelo menos o contrário, ele está dizendo isso de uma forma muito óbvia.
Faço essas anotações caso possa discuti-las com o diretor ou com o roteirista, caso ele esteja presente na filmagem, procurando que a escrita daquela cena seja mais interessante ou, no caso contrário, mais sutil. no final você poderá receber uma resposta tipo “Obrigado”, isso muda no roteiro, e muitas vezes você ouve “Obrigado, mas não, obrigado.” Fora isso, não faço anotações no roteiro. Normalmente já sei como vou interpretar um personagem. Mas, também, posso encontrar motivos para não interpretá-lo, se vejo que a história não está indo onde pensei ou se eu mesmo perceber que não sou a pessoa certa para desempenhar esse papel. Quase sempre sei o que vou fazer ao interpretar um personagem ao ler o roteiro pela primeira vez, depois das leituras dois, três, quatro, cinco… me ajudam a aprender os diálogos e a desenhar um arco de ações e emoções de quando eu vou fazer isso no filme. Eu me faço perguntas como: “Quero esconder algo do público?”, “Quero revelar algo antes ou depois?”, “Quero inicialmente provocar o público a pensar algo e depois mudar de opinião e direção, digamos, na página 80?”, por exemplo. Mas, 90% do meu trabalho é feito internamente através da leitura do roteiro e a verdade é que não preciso fazer anotações.
Esquire: Em “Não Fale o Mal” seu personagem chamado Paddy interpreta duas versões de si mesmo: a cordial e a assassina. Posso presumir que você gostou daquele jogo de esconder suas intenções do público, mas, isso também trouxe seu próprio desafio para alcançá-lo.
McAvoy: Sim, foi um desafio personificar Paddy; porque grande parte da diversão do roteiro do filme ‘Não Fale o Mal’ é que você nunca sabe em que tipo de terreno os personagens estão. Como público, quando você conhece o casal Paddy e Ciara (Aisling Franciosi), você os vê como pessoas interessantes e até quer estar com eles porque parecem divertidos, mas, depois de um tempo, você percebe que há algo que não funciona no comportamento do meu personagem, o que causa um desafio de equilíbrio entre ser amigável e parecer um tanto ameaçador.
Na frente da câmera, eu constantemente tinha que me perguntar se precisava ser mais ou menos perigoso, ou atuar, é um ato de equilíbrio e calibração, essa era a diversão de interpretar Paddy.

Esquire: Você trabalhou com diferentes tipos de cineastas, desde Andrew Adamson em ‘As Crônicas de Nárnia’, passando por Kevin Macdonald em ‘O Último Rei da Escócia’ e Joe Wright em ‘Desejo e Reparação’, até Matthew Vaughn em ‘X-Men: Primeira Classe’ e M. Night Shymalan em ‘Fragmentado’ e ‘Vidro’, para agora trabalhar com James Watkins em ‘Não Fale o Mal’, suponho que seu trabalho como ator exija que você confie nos diretores.
McAvoy: Quando vou para uma sessão de fotos, estou pronto para que ninguém me dê nenhuma orientação. Estou pronto para me dirigir. Assim como você pode ter um bom diretor que seja bom em conversar com atores, você também pode ter um bom diretor que não seja bom em dirigir atores. Então é por isso que estou sempre pronto.
Também adoro quando um diretor vê o que estou fazendo e vem me ajudar a melhorar e tornar mais interessante. Isso também ajuda meus colegas atores e eu a criar um estilo coeso, como se fôssemos uma orquestra de instrumentos diferentes.
Com James (Watkins) em ‘Não Fale o Mal” foi incrível colaborar porque além de dirigir ele também havia escrito a adaptação do roteiro. Assim, com ele eu poderia ter uma linha direta de como a cena foi concebida, dos personagens do papel e das crenças do autor. Embora eu estivesse pronto para liderar, trabalhar com James foi ótimo e me levou a fazer melhor meu trabalho.
Esquire: O mestre do suspense no cinema, Alfred Hitchcock (Os Pássaros e Intriga Internacional), disse que criar terror à luz do dia era um desafio maior. Como você descreve a situação de terror em ‘Não Fale o Mal’?
McAvoy: Em nosso filme abordamos um terror social. Começamos com a pergunta: ‘O que é aceitável e o que não é aceitável no relacionamento entre estranhos?’. A história começa como uma situação normal onde o casal de protagonistas, Louise em suas férias, conhecem o casal Paddy, Ciara e seu filho Ant (com uma doença degenerativa que o faz ficar sem língua), que parecem uma família muito simpática e divertida para se conviver. A história gradualmente se torna mais assustadora à medida que avança. Louise e Ben com sua filha Agnes são convidados por Paddy e Ciara para sua fazenda na floresta. É como se o filme devesse primeiro apresentar o lado bonito de Paddy e Ciara para que depois suas mudanças de atitude sejam mais desconcertantes e levem você do bem ao desconforto, para rapidamente voltar a algo amigável e você não sabe o que pensar, como espectador desse casal que te assusta. ‘Não Fale o Mal’, na maioria das vezes não é assustador, mas, é cheio de situações desconfortáveis. Não é o típico filme onde à noite alguém te persegue com uma faca e a música grita para te assustar. O engraçado do filme é que ele vira uma espécie de caça ao gato e ao rato e o público descobre que no cerne da trama existe uma espécie de tortura social desse casal.
“Tive muita, muita sorte na minha carreira, por não ser estereotipado ou encaixado em um tipo de papel, como resultado do que fiz.

Esquire: Nestes tempos em que a desconfiança entre as pessoas pode ser detectada nas redes sociais, você acha que ‘Não Fale o Mal’ expressa aquela suspeita mais aguda que deveríamos ter ao conhecer alguém?
McAvoy: Acho que esse foi o objetivo do filme dinamarquês original de 2022, Speak No Evil, no qual baseamos “Não Fale o Mal”. A tese de ambos os filmes é que a sociedade é muito dócil e nos comportamos de forma muito educada. Em diversas ocasiões, as instituições que nos rodeiam como sociedade pedem-nos para fazer coisas más ou incrivelmente más conosco e nós simplesmente as aceitamos porque somos demasiado gentis para dizer não. Nosso filme é um microcosmo desse tema levado ao extremo. Acho que o que a sociedade faz para ser mais segura e fazer o que é certo é concordar que todos viveremos juntos e que todos trabalharemos juntos, quando na realidade somos todos um grupo de animais governados pelos nossos instintos. Nossos desejos e nosso egoísmo não combinam necessariamente muito bem e é por isso que temos que empurrar para baixo nosso animal cheio de instintos. Nos tornamos seres humanos civilizados e educados, mas, o animal realmente está lá. Nesse filme há uma espécie de choque entre esses dois instintos: o de formar uma sociedade educada e o instinto que representa uma família defendendo sua existência e prevalência de forma voraz, sabe?
Esquire: O filme também tem as crianças Agnes e Ant às custas das decisões dos pais e à medida que o terror avança podemos ler em seus olhos algo como: “vocês, adultos, devem cuidar de nós”.
McAvoy: A presença de crianças é muito perturbadora. Todo mundo que conheço que viu o filme ficou muito chocado. Tudo é feito para criar uma reação no espectador e as crianças em perigo colocam você em guarda porque você não quer que nada de ruim aconteça com elas. Há uma tensão que surge a partir de coisas desconfortáveis e depois explode em violência física. No final é uma jornada emocional exaustiva, mas, posso dizer honestamente que é divertida para o público.
Isso é o que você quer fazer em um filme de terror. Você quer que as pessoas sintam uma reação muito visceral.

Esquire: A forma como você descreve o drama e a tensão neste filme também parece revelar sua visão como ator. Você é como uma espécie de tigre agachado pronto para atacar a tela no momento certo, como você brinca com as expectativas do público e do público, em geral, ao longo de uma história?
McAvoy: Você tenta encontrar a profundidade do personagem e depois tenta revelá-lo de uma forma visual porque está usando seu rosto e expressões para mostrá-lo.Ao ler o roteiro de um filme, quero saber quando será a minha hora de chorar e quando não. Além de encontrar aquela cena em que todas as emoções finalmente irão transbordar.
Quando fizemos “Desejo e Reparação”, o diretor Joe Wright me ajudou a encontrar esses momentos importantes em meu personagem, Robbie Turner. Há momentos nesse filme em que você pode sentir a profundidade dos sentimentos que ele tem por trás das experiências que está passando, muitas vezes algo simples que representa algo muito maior. Há momentos para Robbie em que ele simplesmente não consegue conter o que sente. Este foi um personagem por quem senti imensa empatia. Eu amei aquela pessoa.
Meu trabalho como ator é sempre encontrar o momento certo para me conter, seguir em frente, parar, gritar. O momento certo para ficar em silêncio, chorar… ou pegar um objeto. A hora certa para fazer uma piada. É sempre sobre mim. Mas depois de terminar as filmagens, os editores e o diretor vêm cortar as cenas, escolher e montar um filme com pequenos pedaços, agora tentando descobrir o momento certo para mostrá-los ao público. Quando chega o dia em o ator vê o filme pela primeira vez, você costuma dizer para si mesmo, ao ver as cenas editadas: “Mas eu tinha escolhido aquela expressão ou ação para outra hora!?” e o diretor diz no final da exibição: “Sim, mas, não deu certo”. No final eles, diretor e editor, fazem funcionar e contam a história. Também nessa primeira exibição você percebe que há cenas e planos que ficaram na sala de edição, ou seja, ficaram enlatados ou guardados em algum lugar. Por exemplo, em ‘Não Fale o Mal’, tem uma cena que tiramos um dia para filmar onde Aisling e eu tivemos que dançar com muito tesão, o que nos deixou nervosos fazendo isso. No final, isso não foi deixado no filme, embora que suamos, com muito no esforço. Isso faz parte do cinema.

Esquire: Todo o esforço para contar um filme de qualquer gênero ou categoria vem de uma necessidade que temos como sociedade de ir à tela para ouvir algo. Por que você acha que temos esse fascínio por ouvir uma história?
McAvoy: Acho que é a forma como formulamos o pensamento. Definitivamente a forma como damos sentido ao mundo que nos rodeia. Se você pensar bem, quem somos nós? Somos uma coleção de carbono, átomos e poeira espacial. Isso é o que somos. E então a mesa na minha frente e a parede atrás de mim. Somos feitos do mesmo. Então, como podemos saber? Como podemos entender isso?… Acho que temos que criar uma realidade para nós mesmos.
Acho que contamos uma história a nós mesmos todos os dias. E é por isso que precisamos de histórias em nossas vidas para entender o quê, quem, por que somos e como chegamos aqui. Mesmo no uso de memória. A memória é sempre um processo. Você não se lembra das coisas como elas aconteceram. Você está preenchendo espaços e de alguma forma criando uma história em sua cabeça. Quando você se lembra de uma imagem em sua mente, você a está recriando. Você está projetando, decorando e escrevendo o roteiro, enquanto o captura como um filme de diferentes ângulos que nunca existiram. Então, acho que é assim que nossas mentes funcionam. Acredito firmemente que somos contadores de histórias. Cada vez que nos lembramos de algo, ou imaginamos ou idealizamos algo que queremos fazer amanhã, ou mesmo algo que queremos fazer com nossas vidas, sempre nos contamos uma história e nos conectamos nessa coisa que compartilhamos em nosso DNA como seres humanos.
É por isso que não me surpreende que, como grupo, gostamos de nos sentar juntos para desfrutar de uma história ou que haja quem sinta a necessidade de contar aos outros a sua própria história.
Fotos: Juankr
Assistente de Fotografia: Grant Hamilton
Preparo: Tara Hickman
*Essa matéria está disponível somente na versão impressa ou online pelo APP Televisa Kiosco (no site da Revista há somente versão compacta da entrevista)